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O DIREITO À PRIVACIDADE NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Atualizado: 28 de set. de 2019



Autor: Guilherme Mesquita Estêves


O avanço da tecnologia da informação e a supervalorização de dados caracteriza um cenário mundial alterado que ganha relevância com a disseminação do uso de redes abertas e o incremento do poder computacional (VIEIRA, 2007). Tal cenário recebe a alcunha de sociedade da informação, isso porquê está nela encravada uma nova forma de organização em que a informação é o elemento nuclear para o desenvolvimento da economia.


O principal ativo da sociedade da informação é, como a caracterização sugere, a própria informação; essa é essencial para o desenvolvimento de qualquer atividade, de forma a atuar como condição determinante para o desenvolvimento cultural e econômico da sociedade, o que impulsiona o uso intensivo da tecnologia da informação enquanto mecanismo facilitador de coleta, produção, processamento, transmissão e armazenamento de dados. Essa nova forma de arranjo social cria mecanismos capazes de processar e transmitir informações em uma velocidade jamais imaginável. A informação assume papel central da sociedade e atua como elemento estruturante que a (re)organiza, tal como fizeram a terra, as máquinas a vapor e elétricas e os serviços, respectivamente nas sociedades agrícola, industrial e pós industrial (BIONI, 2018).


São características básicas da sociedade da informação, portanto, o fato de a informação atuar como insumo do desenvolvimento político, social e econômico. O avanço tecnológico é impulsionado tanto pela busca por formas mais eficientes de gestão das informações já disponíveis quanto pela necessidade de incremento das formas de captação de novas informações.


Em um contexto alterado pela tecnologia, é plausível questionar se a privacidade tem sido relativizada ou mesmo eliminada: câmeras de segurança espalhadas por edifícios públicos e privados, em bancos e lojas; monitoramentos eletrônicos, acesso à localização via GPS, compartilhamento de atividades em redes sociais e criação de perfis de consumo.


A sociedade da informação se especifica como “sociedade de serviços”, com elevada padronização e crescente vínculos internacionais. Duas consequências decorrem disso: quanto mais os serviços são tecnologicamente sofisticados, mais o indivíduo deixa nas mãos do fornecedor do serviço uma quantidade relevante de informações pessoais; quanto mais se alarga a rede de serviços, mais crescem as possibilidades de interconexões entre bancos de dados e disseminação internacional das informações coletadas (RODOTÀ, 2008).


Pode-se dizer que a sociedade da informação possui seu lado positivo e o negativo. Por um lado, as possibilidades técnicas permitem maior facilidade de comunicação e acesso à informação, o que proporciona às pessoas mais e melhores meios de expressão, criação, participação e interação. Por outro lado, a sociedade da informação traz riscos no que tange à violação de garantias fundamentais e direitos da personalidade, em especial o direito à privacidade. Há, ainda, o perigo de fortalecimento dos métodos de vigilância e controle da liberdade individual pelos órgãos estatais (GONÇALVES, 2003).


A definição de privacidade como “direito de ser deixado só” perde seu valor genérico, ainda que continue a abranger um aspecto essencial do problema e possa ser aplicada a situações específicas. Na sociedade da informação tendem a prevalecer definições funcionais da privacidade que, de diversas formas, fazem referência à possibilidade de um sujeito conhecer, controlar, endereçar e interromper o fluxo das informações a ele relacionadas (RODOTÀ, 2008). Assim, a privacidade pode ser definida mais precisamente, no contexto da sociedade da informação, como o direito de manter o controle sobre as próprias informações.


O direito à privacidade na sociedade da informação demanda uma redefinição do conceito de esfera privada: é o conjunto de ações, comportamentos, opiniões, preferências e informações pessoais sobre os quais o interessado pretende manter um controle exclusivo. Diante do tradicional poder de exclusão, atribui-se cada vez mais relevância e amplitude ao poder de controle; o objeto do direito à privacidade amplia-se como efeito do enriquecimento da noção técnica de esfera privada, que compreende um número crescente de situações jurídicas relevantes (RODOTÀ, 2008). Ao se falar em “privado” não se identificam necessariamente, nessa perspectiva, áreas às quais se atribui uma proteção especial por razões de intimidade. Tal noção tende agora a abranger o conjunto de atividades e situações de uma pessoa que tem um potencial de comunicação, verbal e não-verbal, e que pode, portanto, se traduzir em informações.


A tecnologia propicia uma esfera privada mais rica, porém mais frágil e mais exposta a ameaças, o que justifica a necessidade de contínuo fortalecimento de sua proteção jurídica. Isso porque o relevo atribuído ao momento da circulação e do controle não pode fazer com que sejam negligenciados os aspectos clássicos do sigilo e da proteção de informações pessoais como características permanentes da privacidade (RODOTÀ, 2008).


A presença de riscos no uso de informações coletadas via tecnologias pujantes na sociedade da informação, e não uma natural vocação ao sigilo de certos dados pessoais, foi o que levou ao reconhecimento de um “direito à autodeterminação informativa” como direito fundamental da pessoa (RODOTÀ, 2008).


Questiona-se a respeito do salto dado entre a concepção tradicional do direito à privacidade, já declarado e garantido como direito fundamental e da personalidade, à ideia de direito à autodeterminação informativa. Sobre esse ponto, vale ressaltar que recentemente foram aprovadas normas internacionais e nacionais que tocam aspectos particulares da reserva da intimidade da vida privada, diretamente respeitantes à proteção de dados ou informações pessoais. Não se trata, todavia, do mesmo direito. Protege-se, neste caso, um direito à autodeterminação informativa, que em muitos contextos aparece referido ao tratamento de informações mediante o uso da informática (CASTRO, 2005).


Ao que parece, a autodeterminação informativa refere-se a um esforço de proteção da privacidade da pessoa voltada especificamente para os dados e informações pessoais, enquanto a privacidade refere-se a informações mais abrangentes. O direito de manter o controle sobre as próprias informações e de determinar as modalidades de construção da própria esfera privada identificam o “patrimônio informativo atual ou potencial” de uma pessoa (RODOTÀ, 2008).


O direito à autodeterminação informativa concede à pessoa um real poder sobre suas próprias informações e dados. Percebe-se uma evolução do conceito de privacidade: da definição originária – direito de ser deixado só – ao direito de manter o controle sobre as próprias informações e determinar a modalidade de construção da própria esfera privada. Dessa forma, constitui o direito à privacidade um instrumento fundamental contra a discriminação, a favor da igualdade e da liberdade (MORAES, 2008). Nas sociedades de informação, como as de atualmente, pode-se dizer que “nós somos as nossas informações”, pois elas nos definem, nos classificam e nos etiquetam; portanto, ter como controlar a circulação das informações e saber quem as usa significa adquirir, concretamente, um poder sobre si mesmo.


A autodeterminação informativa foi alçada a fundamento da disciplina de proteção de dados pessoais na Lei Geral de Proteção de Dados, conforme disposição de seu art. 2º, II. Estaria o legislador nacional atento à proteção da privacidade no contexto da sociedade da informação?




REFERÊNCIAS


BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais – a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2018.


VIEIRA, Tatiana Malta. O Direito à privacidade na sociedade da informação: efetividade desse direito fundamenta diante dos avanços da tecnologia da informação. Dissertação (Dissertação em Direito, Estado e Sociedade: Políticas Públicas e Democracia) – UNB. Brasília, 2007.


RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância – a privacidade hoje. Maria Celina Bodin de Moraes (org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2008.


GONÇALVES, Maria Eduarda. Direito da informação: novos direitos e formas de regulação na sociedade da informação. Coimbra: Almedina, 2003.


MORAES, Maria Celina Bodin de (org.). A vida na sociedade da vigilância – a privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. CASTRO, Catarina Sarmento e. Direito da Informática, privacidade e dados pessoais. Coimbra: Almedina, 2005.

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