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O Caso do Morador de rua, o Personal Trainer e a Esposa : o que a ANPD poderia fazer?

Por Giovanni Carlo




No dia 9 de março de 2022, na região de Planaltina (DF), um caso ganhou notoriedade na imprensa e nas redes sociais, envolvendo um morador de rua, uma mulher adúltera e um marido traído que trabalha como personal trainer. No caso, o morador de rua estava mantendo relações sexuais com a esposa do personal trainer no interior de um veículo, na rua, à noite. O personal trainer flagrou a situação e agrediu o morador de rua, que foi parar no hospital.


Pelo que foi divulgado na situação, a mulher consentiu com a relação sexual e, até o momento, não há acusações formais de estupro em desfavor do morador de rua. Pós o fato, o personal trainer realizou uma entrevista ao jornalista Léo Dias, do jornal Metrópoles (https://www.youtube.com/watch?v=7Jf9vke5-Gc), no dia 17/03/2022 e explicou todo o drama que vem vivendo em decorrência da superexposição que ele recebeu pela repercussão do fato acima descrito. Por esses motivos, omiti o nome dos envolvidos para justamente preservar-lhes os direitos de personalidade, e farei uma análise estritamente técnica sobre o caso em tela, evitando todo tipo de opinião pessoal sobre os fatos.


Nos últimos 3 minutos da entrevista acima mencionada, o personal trainer reclama que sua vida pessoal mudou completamente, com a esposa internada em uma clínica para recuperação psicológica do evento, que ele não consegue trabalhar e nem abrir sua loja, além de ser alvo de perseguição na internet. Nesse diapasão, ele revela sentir muita dor e não está sabendo lidar propriamente com a situação, reclamando justamente da falta de empatia e compreensão por uma família que está sendo destruída de forma tão teratológica.


Os dados de número telefone do personal trainer se espalharam pela internet, suas redes sociais foram inundadas de mensagens ofensivas e impertinentes, situação quesó agrava a situação emocional dele já abalada. Dentre as reclamações relatadas na entrevista, estão: mensagens diretas pelo Whatsapp com ofensas; ligações ofensivas, perguntando sobre garotas de programa; inserção do perfil de Whatsapp dele em grupos com o único propósito de ofensa e realização de piadas sobre a situação. Para conter esses danos, o personal trainer teve que apagar o perfil dele e da esposa do Instagram.


Agora, o que deve ser discutido nesse caso é sobre a possibilidade de a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) intervir nesse caso através de ações de fiscalização e processamento dos responsáveis em vilipendiar o personal trainer através de aplicações da internet, especificamente no Whatsapp. O personal trainer usa seu telefone para fins pessoais e profissionais. Nesse caso, esse equipamento é um meio de sobrevivência, onde ele promove suas atividades laborais. Nesse sentido, com diversas agressões sendo proferidas contra ele, este homem fica tolhido e inibido de utilizar o aparelho, justamente porque sabe que quando ele abrir as caixas de mensagens, estarão uma miríade de ofensas proferidas por terceiros, que ofendem por má-fé e por simples espírito de galhofa com a desgraça alheia. Dessa forma, pode-se identificar que as pessoas que inserem o personal trainer em grupos de Whatsapp e envio de mensagens privadas com o único intuito de incomoda-lo estão dolosamente agindo de forma indigna.


O art. 4°, I, da lei 13.709/2018 (LGPD) determina esta lei não se aplica a tratamento de dados pessoais feitos por pessoas naturais para fins exclusivamente particulares e não econômicos. Dessa forma, considerando que o ofensor é pessoa natural e não está ganhando nenhum dinheiro ao criar um grupo de Whatsapp para ofender o personal trainer, conclui-se que as normas da LGPD não se aplicariam no caso. Não obstante, algumas peculiaridades podem ser observadas para uma possibilidade diferente da conclusão inicial acima mencionada. Primeiro, o administrador de grupo adiciona diversas pessoas, para, em conjunto, promover humilhações ao personal trainer. Até o momento, o Whatsapp aceita grupos com limites de cerca de 250 participantes. Assim sendo, os fins deixam de ser exclusivamente particulares para se tornarem fins de ataques em massa coordenados por alguém. Segundo, o “não econômico” pode ser interpretado de outra forma, ou seja, a pessoa natural ofensora não está auferindo ganho monetário com aquele ataque. Nessa ótica, o dicionário Houaiss da edição de 2009 traz a seguinte definição do termo “econômico”:

“- adjetivo


1 respeitante à economia;


2 caracterizado pelo uso cauteloso, eficiente e ponderado dos recursos materiais;


3 que controla gastos, que evita desperdícios;


4 que gera economia, que reduz gastos;


5 que custa pouco; barato


6 que obtém resultados com o mínimo de perdas, erros, dispêndios, tempo.”


Portanto, observa-se que não há expressão envolvendo dinheiro na definição do dicionário. Considerando a segunda definição, nota-se que há um enfoque na eficiência da operação. Então, se um usuário do Whatsapp que intencionalmente quer ofender alguém e cria um grupo com esse fim exclusivo, convidando outros ofensores para que estes também possam aspergir seus insultos, há uma claro fim econômico de angariar pessoas num mesmo ambiente virtual para alcançar a máxima eficiência em atingir os direitos de personalidade do personal trainer, com menor esforço, ou seja com menos uso de recursos, uma vez que difundir o número de telefone dele para cada um adicionar em sua agenda e enviar uma mensagem direta é mais dispendioso que juntar todos os ofensores num só grupo e atacar em bando. Interpretando a situação por esse viés, pode-se chegar à conclusão que a LGPD aplicar-se-á ao caso em questão.


Considerando ainda que os ofensores que criam o grupo de Whatsapp de cunho ofensivo estão cometendo um ato ilícito, pois abusam do Direito ao criar um ambiente para fins violadores da boa-fé. Assim, pode-se traçar uma ligação dessa conduta com o texto do art. 187 do Código Civil, que descreve justamente a conduta do abuso do direito que culmina em um ato ilícito.


De acordo com o princípio da finalidade, descrito no art. 6°, I, da LGPD, a “realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades”. Nesse sentido, percebe-se que a ação dos grupos de Whatsapp ofensores violam essa norma ao não possuir propósitos legítimos e éticos para que eles tratem dados pessoais de alguém, que será ali inserido para ser alvo de impropérios. Dentre os fundamentos da LGPD, descritos em seu artigo 2°, destacam-se os seguintes incisos pertinentes ao caso discutido:


“Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:


I - o respeito à privacidade;


IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;


VII - os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o

exercício da cidadania pelas pessoas naturais.”


Nesse diapasão, observa-se que a atitude dos criadores de grupos de Whatsapp para fins de ofensa, são violadoras de todos estes fundamentos que a LGPD traz em seu texto. Levando em consideração a violação da lei, bem como o tratamento de dados pessoais para fins não pessoais e econômicos, tal situação potencialmente pode atrair a competência da ANPD para fiscalizar e instaurar um procedimento administrativo sancionador, nos termos do art. 55-j, IV da LGPD.


Portanto, caso o personal trainer apresente uma denúncia formal à ANPD, relatando todo o caso, os criadores de grupos de Whatsapp para fins ofensivos poderiam ser investigados, processados e punidos nas iras da lei pela autoridade competente, além de poderem ser processados judicialmente nas esferas cível e criminal pela conduta ilícita que realizaram.


Giovanni Carlo Batista Ferrari, Advogado. Aluno do DTIBR


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