Autor: Tárik César
Economia, Direito e Inteligência Artificial: Parte I
Um dos mais importantes desafios do Direito no século XXI, será o entendimento da tripla relação entre o sistema normativo, a economia e Inteligência Artificial. Olhar esse trio a luz do que a Ciência Econômica, da Computação e o Direito tem produzido é fundamental, e este pequeno artigo tem o objetivo de introduzir essa discussão ao público.
Introdução a Inteligência Artificial, Economia e Direito
A Inteligência Artificial é um conjunto de tecnologias que terão grande impacto na economia nos próximos anos. Estudos da PWC tem estimado que a IA adicionará 15,7 Trilhões de Dólares na economia mundial até 2030.
O desenho de institutos jurídicos crescentemente terá que levar em conta o modo como essa tecnologia se relaciona com a economia. É esperado que tais inovações fomentem uma demanda de mudanças em institutos tão díspares quanto direitos de propriedade intelectual e da proteção ao trabalho, passando por boa parte do sistema tributário e muito do administrativo.
A relação entre o Direito, a Economia e estes novos instrumentos tecnológicos demanda uma visão necessariamente interdisciplinar com a Ciência Econômica, com o Direito e com a Ciências da Computação e de Dados. Essa interdisciplinaridade é necessária quando se pensa que a adoção, no tecido econômico, da tecnologia de IA gera demandas ao sistema normativo tanto quanto altera equilíbrios econômicos. Os novos equilíbrios econômicos geram também demandas ao sistema normativo e faz avançar a pesquisa e desenvolvimento técnico da IA. O sistema normativo cria incentivos positivos e negativos a certos usos da IA e ao desempenho econômico.
Tendo em vista que a amplitude do impacto da IA, como Tecnologia de Propósito Geral, será formidável não só em seu tamanho como um todo, mas o impacto que trará em diversos campos específicos. Aspectos relacionados com o trabalho humano, consumo, desenvolvimento econômico, competição de mercado, desigualdade, pobreza e até a própria natureza da teoria econômica serão afetados ao seu modo. Em outros textos focaremos nesses assuntos.
Antes de apresentarmos discussões específicas, temos que ir pelo básico. Neste texto iremos começar por uma introdução ao que seria a própria Inteligência Artificial a partir de visão da Ciência Econômica. Para esse fim será utilizado, sobretudo, a obra dos pesquisadores Ajay Agrawal, Avi Goldfarb e Joshua Gans.
Muitos economistas têm estudado IA nos últimos anos, mas muitos em suas consequências somente, já o trio tem estudado a própria IA pela perspectiva econômica, o que os torna a base de qualquer estudo de Economia e IA. Muito do que está a seguir está presente no livro Prediction Machines, cuja referência se encontra no final e ao qual é aconselhado a leitura para uma visão aprofundada. Além disso o artigo terá outras reflexões, contribuições da literatura em questão.
Diminuição dos Custos de Predição
Especialistas sempre olham para um objeto e veem coisas diferentes. Cientistas de Dados olham para a IA e veem um mecanismo matemático e de programação para resolver problemas específicos. Advogados tendem a ver um objeto que altera a forma como alocamos responsabilidades e direitos em dispositivos legais. Economistas olharam para a IA do mesmo modo que a maioria das inovações, acima de tudo, como um mecanismo de alteração do sinal de informação básico de cooperação numa sociedade de mercado: o preço.
Exemplo dessa visão sobre inovações e quando semicondutores foram desenvolvidos, os economistas analisaram como uma queda no preço de se fazer aritmética. Ao invés de depender sempre de um Professional humano com longos anos de experiência para realizar cálculos repetitivos, a existência da máquina permite a realização de tais cálculos com um custo bem menor que o método anterior. Isso nos leva a pergunta: O preço de que está sendo alterado com o desenvolvimento da IA?
A resposta oferecida por Agrawal, Gans e Goldfarb é o de predição. Vale uma pequena digressão. Nem todos os analistas econômicos e jurídicos tem compreendido a natureza de fato da IA. Embora o campo de Inteligência Artificial busque como um todo mecanismos de reprodução da cognição humana em maquinas, na prática os principais desenvolvimentos recentes em coisas como Aprendizado de Máquina, Redes Neurais etc., são relacionados um aspecto da cognição: a Predição.
Em termos simples, predição é a capacidade de se obter informações que não se têm sobre o passado, presente ou futuro, a partir de informações que se tem. É um aspecto fundamental da cognição humana ao qual todos fazemos. Como exemplo, um advogado raciocina se tem chances de vencer uma causa no tribunal reunindo os dados que tem, o caso concreto em suas mãos, a lei, a jurisprudência do tribunal onde está sendo julgado e dos tribunais superiores e faz um cálculo probabilístico para descobrir um dado que não tem, que é a chance de vitória na causa.
Claro, a cognição humana tem seus problemas e limites. Mecanismos matemáticos que melhoram a capacidade humana de predição já estavam em desenvolvimento da análise de regressão dos mínimos quadrados por Carl Friedrich Gauss no início do século XIX. O que os principais métodos de IA conseguem é realizar uma predição mais eficaz e mais barata. A oferta do input econômico predição no mercado se torna maior e por consequência seu preço cai.
Resultados da Queda do Preço da Predição
Conforme os autores argumentam, quando o preço do input econômico está em queda, três coisas acontecem:
a) Nós usamos mais,
b) usamos para novas coisas e
c) isso afeta preços de bens substitutos e complementares.
Vamos ver um pouco como isso funciona:
Usar mais de algo que já se utilizava cujo preço caiu é o mais simples de se entender. Não só baseado no senso comum, mas a própria base da microeconomia tende a se fundamentar nessa hipótese. Um exemplo disso na nossa discussão seria o uso de IA para analisar exames clínicos e descobrir se existe, no exame, indicações de que uma especificada doença se manifestou ou não. É um problema de predição: o médico faz o diagnóstico baseado em informações que ele possui, especificamente seus conhecimentos teóricos da área médica e sua expertise com casos práticos anteriores para obter um dado que ele não possui, no caso se a doença se manifestou ou não. Os novos desenvolvimentos da IA permitem que se use mais disso, em outras doenças ou para mais casos de forma mais barata.
Alterar o modo de como se fazer algo é uma perspectiva bastante interessante. É o segundo ponto de transformação da IA. Uma pequena mas importante lição a esse respeito é o que se aprende com o economista Dani Rodrik. Pensando em um contexto diferente, especificamente o de Desenvolvimento e Instituições, ele mostra o valor de não confundir forma e função. Diferentes mecanismos ou formas podem atingir funções iguais, assim como mesmos mecanismos podem servir a diferentes funções dependendo do contexto econômico e institucional.
Do mesmo modo, pode-se usar diferentes inputs econômicos para atingir o mesmo output. Dirigir um automóvel é um problema sobretudo de natureza mecânico humano. Existe algum nível de predição necessária, sobretudo saber se o motorista a frente irá fazer a curva ou não sem ter dado seta, mas boa parte das ações são associadas a tomar uma série de passos mecânicos. Se há um obstáculo na estrada, você freia, se há um carro em baixa velocidade, você muda a faixa.
Esse mesmo problema de direção é um problema de predição para um carro autônomo. Não é possível programar num computador o que fazer em cada situação que possa emergir no transito. Ao invés disso programa-se o carro autônomo com dispositivos para predizer o que um bom motorista humano faria em cada uma das situações que se apresenta. A mesma lógica se aplica ao uso da IA para confecção de contratos. O advogado usa sua expertise da lei, da jurisprudência, dos costumes e de sua habilidade para criar clausulas num contrato qualquer. A IA usa um meio diferente, a predição, para implementar clausulas baseado nos objetivos que forem programados.
Por fim cabe a discussão sobre a mudança da utilidade marginal de bens substitutos e complementares. Bens complementares são aqueles que satisfazem uma necessidade quando estão juntos. Exemplos comuns na literatura econômica são gasolina e automóvel ou açúcar e café. Quando cresce o uso de um bem econômico, cresce a procura pelo bem complementar a este. Se há aumento da demanda, tudo mais mantido constante, haverá aumento de preço do bem complementar.
Existem diversos bens complementares a predição por AI. Dados em primeiro lugar. A já famosa frase, dados são o novo petróleo não existe por acaso. Sem dados ou mesmo com poucos dados, a IA não consegue atingir seus objetivos. Ela é altamente dependente de um fluxo grande e robusto de dados. Dois outros complementos é o julgamento e ação humanas. A IA pode dizer a um médico que há 65% de chances da existência de uma dada doença num exame, mas a decisão de aplicar um tratamento doloroso que cure tal doença não será dada a IA.
É possível programar que ela de tal autorização, mas a não ser que valores cheguem próximos de 99,999% humanos não entregarão esse tipo de decisão a IA. Não somente isso, mas humanos que consigam tomar decisões auxiliados por predição de máquina serão mais demandados. Esse ponto pode ser resumido pelo o que o economista Thomas Conti certa vez disse, que você não irá perder seu emprego para um computador, você irá perder seu emprego para um humano que consegue fazer melhor uso de um computador.
Por sua vez existem bens substitutos. Estes são bens que satisfazem o mesmo desejo e por consequência podem ser usados um ou outro em substituição. Exemplos comuns são manteiga ou margarina, refrigerante ou suco, café e chá, etc. Enquanto com bens complementares a relação da variação de preço é inversamente proporcional, em bens substitutivos a variação dos preços é proporcional, ou seja, na medida em que o preço de um cai ele será mais utilizado em contraponto ao bem substituído, logo a demanda do bem substituto também cai e por consequência seu preço.
No caso da IA, o uso de predição por máquina fará cair o preço e a utilidade da predição humana. Mais do que nunca estamos cientes dos limites da mente humana. Não por acaso muito de desenvolvimentos recentes na Ciência Econômica são exatamente reflexões sobre as limitações da cognição. Isso se reflete nos trabalhos dos pesquisadores da Economia Comportamental como os laureados do Prêmio Nobel Daniel Kahneman e Richard Thaler.
A demanda por predição humana deve cair em boa parte dos mercados conforme o ritmo de adoção e melhoria dos instrumentos de IA. Ela não irá desaparecer dos mercados, conforme visões de natureza catastrofistas que são comuns – algumas das quais frutos de nossos próprios limites cognitivos. Não será em todas as esferas que a IA se mostrará com um custo benefício melhor. Há limites para o que a tecnologia consegue fazer. A IA tende a florescer na presença de abundância de dados, o que nem sempre é o caso. A predição humana continua superior à da máquina para áreas que dados não sejam abundantes, entre outras coisas. O desenvolvimento da IA não é algo que fará humanos se tornarem obsoletos, mas definitivamente tornará algumas de nossas práticas obsoletas.
Entender a Inteligência Artificial a partir da Economia, como demonstrado pela magistral obra de Agrawal, Gans e Goldfarb permite compreender melhor que tipo de mudanças que a Economia passará com a adoção da IA. As mudanças econômicas resultantes suscitarão a demanda por inovações institucionais. Entender a natureza da associação entre Inteligência Artificial e Economia é fundamental para um melhor desenho institucional que garanta boa governança, os princípios Constitucionais do Estado Democrático de Direito e a obtenção do melhor possível que as inovações tecnológicas possam oferecer a vida humana.
Referências:
-AGRAWAL, A & GANS, J & GOLDFARB, A. Prediction Machines: The Simple Economics of Artificial Intelligence. Harvard Business Review Press. 2018.
-LUCCI, S & KOPEC, D. Artificial Intelligence in the 21st Century. A Living Introduction. Mercury Learning and Information. 2016.
-MANKIW, N. G. Principles of Microeconomics. Cengage Learning. 2011.
-RODRIK, D. One Economics, Many Recipes: Globalization, Institutions and Economic Growth. Princeton University Press. 2009
-PWC. Sizing the Price. What’s the Real Value of AI For Your Business and How Can You Capitalise? 2017. Acessado em 09/05/2019.
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