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ATA DE REUNIÃO - CONCORRÊNCIA E MERCADOS DE ALTA TECNOLOGIA II

Atualizado: 28 de set. de 2019

Grupo de Estudos em Direito, Tecnologia e Inovação – DTI UFMG


Relatores: Ana Luíza Zakur Ayres e Pedro Henrique Vilela Elizeu



Texto 1: Aligning data protection rights with competition law remedies? The GDPR right to data portability.


O autor inicia com um breve relato a respeito do direito a portabilidade de dados introduzido na Europa pela GDPR, consistindo, basicamente, na possibilidade de o titular exigir a qualquer controlador a transferência dos seus dados pessoais a outro. Ele descreve o direito a portabilidade de dados como sendo um direito que traz aos indivíduos a oportunidade de obter acesso à sua própria informação para possibilitar seu uso no futuro.


Artigo 20 GDPR:

The data subject shall have the right to receive the personal data concerning him or her, which he or she has provided to a controller, in a structured, commonly used and machine-readable format and have the right to transmit those data to another controller without hindrance from the controller to which the personal data have been provided, where:
(a) the processing is based on consent pursuant to point (a) of Article 6 or point (a) of Article 9 or on a contract pursuant to point (b) of Article 6; and (b) the processing is carried out by automated mean

Uma possibilidade inspirada na portabilidade de números de celular, que permite as pessoas levarem seu número de uma operadora para outra. Tal direito trouxe uma maior facilitação para o trânsito de dados, uma vez que traz a portabilidade de dados como um direito do titular, impedindo que as empresas criem qualquer óbice para tal. Assim, grandes empresas como Apple, Amazon e Google, ficam obrigadas a fornecer para empresas menores, dados pessoais de titulares que requeiram tal transferência.

Com tal assertiva, nota-se que o direito a portabilidade de dados tem efeitos econômicos, uma vez que pode trazer reflexos na concorrência entre empresas no mercado digital. Tanto é verdade, que alguns doutrinadores, como Cormack consideram o direito a portabilidade de dados como um problema nas leis concorrenciais, susceptível em preocupar parcela dos controladores de dados. Outros como Brewer trazem o questionamento: seria o direito a portabilidade de dados contrário às leis de concorrência?

No entanto, ao contrário do que muitos pensam, após breve leitura da GDPR, em seu artigo 20, nota-se que não se refere ao direito do usuário obter do controlador todo e qualquer dado que o mesmo possuir do titular em seus sistemas. Apenas dá ao usuário a prerrogativa de obter do controlador apenas os dados pessoais que o próprio usuário tenha fornecido ao controlador. “This right is subject to the proviso that the data has been ‘provided to’ the data controller by the individual”.


Tal fato impede ao titular dos dados exigir que a empresa detentora de seus dados capitados via big data, transfira-os para outras. É o caso, por exemplo, de uma empresa que por meio de um processo de big data, trace o perfil de alguém e descubra uma pré-disposição a diabetes. O titular não pode exigir a transferência de tais resultados.


Como podemos ver através de uma breve analise do texto, o direito a portabilidade de dados pessoais, só se aplica a dados fornecidos ao controlador com o consentimento do titular, afinal os dados pessoais afetados pelo direito de portabilidade são aqueles que o próprio titular passou para o controlador. Logo, espera-se haver consentimento do titular para o tratamento desses dados por parte do controlador.


Dado suas limitações, o direito a portabilidade de dados europeu recebe algumas críticas por sua aparente limitação à possibilidade de transmissão de dados entre os agentes. Todavia, mostra-se muito mais amplo do que normas de direito a portabilidade de alguns países, como os Estados Unidos.


Os norte-americanos adotam políticas de portabilidade de dados apenas em setores específicos, como por exemplo, a possibilidade de portabilidade do número de celular entre operadoras, ao passo que o direito contido no GDPR, não está restrito a setores da economia, abrangendo todos os setores de forma geral. Ponto que pode ser considerado positivo para a legislação europeia, pois, pode possibilitar uma maior interação entre empresas, redução de custos e agilidade nas transações de dados entre empresas, gerando avanços tecnológicos.


Com relação às leis de proteção à concorrência e seus os “remédios”, as sanções ao direito à portabilidade de dados pessoais é mais amplo dado a não restrição da conotação econômica. Os remédios das legislações antitruste são aplicados apenas para empresas engajadas em atividades econômicas, ao passo que o direito a portabilidade de dados pode ser exercido contra qualquer controlador de dados, incluindo agentes que atuam em atividades não econômicas.


Por outro lado, a GDPR só se aplica aos dados pessoais, enquanto as leis de concorrência podem ter incidência sobre todos os tipos de dados, pessoais ou não. Ou seja, quando se fala nos sujeitos a serem afetados pelas leis, o direito de portabilidade é mais amplo. No entanto, os remédios das leis de concorrência são aplicados a uma maior variedade de dados.

Seguindo, aborda-se a questão dos mercados competitivos. Tais mercados requerem que haja opções diferentes de produtos e serviços e que os consumidores tenham a opção de poder escolher entre elas, fatores que são codependentes. Muitos doutrinadores concordam que a possibilidade de escolha do consumidor é algo a ser garantido pelas leis de concorrência. Inclusive, conforme destaca Nihoul, a defesa do poder de escolha do consumidor tem sido tema de importantes decisões das cortes europeias em anos recentes.


Assim como as leis de concorrência buscam contribuir para manter a possibilidade de escolha do consumidor protegida, o direito a portabilidade de dados também pode ajudar a manter tal princípio protegido de três formas: ele pode reduzir o risco de que dados pessoais venham a constituir barreiras para que novas empresas possam entrar em mercados relevantes; pode encorajar a entrada de novos produtos no mercado e por último; pode permitir que os titulares dos dados escolham com qual controlador desejam manter seus dados e evitando que um titular se torne refém de qualquer controlador.

Esse direito traz uma maior flexibilização para a transferência de dados pessoais, uma vez que obriga qualquer controlador a enviar os dados dos titulares para qualquer empresa que o titular desejar. Isso irá trazer uma maior possibilidade de empresas de pequeno porte venham a crescer e se inserir no mercado moderno, no qual a economia é tão dependente de dados pessoais. Dessa forma, pequenas empresas poderão oferecer produtos a clientes que, se tiverem interesse, poderão exigir a transferência imediata de seus dados. Pequenas empresas ganham espaço e o mercado será beneficiado com um aumento do número de opções de produtos e serviços.


Além disso o direito a portabilidade de dados também poderá reduzir o custo e a burocracia para a realização da transferência de dados pessoais de um controlador para outros, o que pode ser um incentivo para que os titulares decidam testar novos produtos e serviços.


Apesar de tantas vantagens que o direito a portabilidade de dados traz, preocupa-se muito nos possíveis entraves que o mesmo pode causar. Um exemplo disso seria como as empresas iriam transmitir dados para outras sem revelar seus segredos industriais ou comercias. Afinal, dados pessoais, na maioria das empresas, são guardados em bancos de dados e protegidos por fortes criptografias. Na hora de transmitir os dados, as empresas certamente não irão querer transmitir as criptografias que utilizam para seus concorrentes.


Dessa forma, indaga-se que mediante o risco de sempre necessitarem transmitir os dados que armazenam para seus concorrentes em algum momento, as empresas ficariam desestimuladas para criar novas formas de proteção e armazenamento de dados, o que poderia, de certa forma, atrapalhar o avanço da tecnologia e a inovação.

Por último, vale destacar que o direito a portabilidade dos dados traz para o titular um certo poder sobre seus dados pessoais, uma vez que agora cabe ao titular dos dados dar a última palavra sobre qual será a destinação de seus dados pessoais, não mais ao controlador.



Texto 2: Condutas Anticompetitivas em Setores “Pontocom”


O texto Conduta Anticompetitvas em Setores 'PontoCom', que integra a dissertação de mestrado do Prof. Leandro Saito, enfrenta as principais questões relacionadas à aplicação da metodologia antitruste tradicional diante das particularidades dos setores pontocom. Em casos exemplificativos são analisados os casos da empresa Google que já vem sendo analisados pelas principais autoridades antitruste do mundo, inclusive pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.


As particularidades presentes nos setores pontocom desafiam cotidianamente analistas de mercado bem como operadores de direito. Conforme observamos, características desses mercados, como a estruturação em plataformas de múltiplos lados, o uso intensivo de software, com a possibilidade de customização sem precedentes da experiência do usuário, a presença de estruturas de preço zero na quase totalidade desses serviços, associados ao intenso dinamismo e a intensa competição entre estes players faz necessária uma adaptação do ferramental baseado em modelos de economia neoclássica.


A realidade dos mercados fez com que fossem necessárias uma série de adaptações a esses modelos, sem que, no entanto, tal paradigma fosse substituído por outros. Assim como tradicionalmente as considerações das falhas de mercado, bem como, modernamente, a economia dos custos de transação e a economia comportamental trouxeram importante relativização de diversos conceitos clássicos de concorrência perfeita, nesses setores notamos que mais uma vez alguns conceitos devem ser adaptados para que os modelos de análise não fiquem distanciados da realidade.

Nesse sentido, a conceituação do poder de mercado e a delimitação do mercado relevante devem sofrer uma nova relativização de seus conceitos e uma adaptação na metodologia aplicada para que não se mostrem inadequados e distanciados da realidade dinâmica e complexa desses mercados. Nesse sentido se faz necessária a substituição da aferição de poder de mercado pela pura e simples análise das participações de mercado e se passem a analisar as restrições competitivas enfrentadas pela empresa para que se tenha melhor noção da real extensão desse poder.


O próprio conceito de mercado relevante material baseado no produto ou serviço oferecido deve sofrer relativização, uma vez que as relações de substituição nesses setores se mostra distinta dos setores tradicionais. Por essa razão o conceito de competição por atenção traz importantes considerações com relação a essa nova definição.

Além disso, a complexidade associada a estas novas condutas, como se constata nos casos das empresas Uber e Google, cria enormes desafios para que a autoridade regulatória intervenha. A dificuldade de compreensão do funcionamento destas plataformas baseadas em software associada ao uso de algoritmos inteligentes em um mercado em evolução, faz com que diversas medidas possam trazer riscos à eficiência dinâmica e a concorrência nestes setores. A ausência de dados empíricos confiáveis, da mesma forma, dificulta a real compreensão de determinadas condutas como se constata no caso do Google.


Disso decorre a enorme assimetria negocial presente nas relações entre provedores de atenção e os usuários desses sites. A dificuldade do consumidor compreender a real extensão e o valor associado às informações e dados pessoais que estão sendo compartilhados, aliada à imprevisibilidade dos riscos pós-contratuais presentes nessas relações faz com que surjam relevantes falhas negociais nesses setores. Do mesmo modo, a natureza de creedence goods da maior parte desses serviços faz com que o consumidor não consiga muitas vezes avaliar a qualidade do serviço prestado, diminuindo as pressões competitivas sobre a empresa.


Por fim, a análise do caso Google permite a observação de diversas dessas dificuldades, demonstrando a necessidade de consideração dessas características para que não se incorram em falsos positivos ou falsos negativos.


Dessa forma, o que se nota é que ao invés de se tratar de uma área de isenção do direito da concorrência, na qual a liberdade absoluta dos agentes econômicos levaria a um resultado ótimo, o que percebemos é que mais do que nunca o direito antitruste cumpre um papel fundamental nesses setores. Este, porém, deve considerar todas as suas características e complexidades para que a análise não aponte para intervenções equivocadas ou ineficientes.

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