Por Sofia Chang.
Em post anterior do blog, comentamos um pouco sobre o império das microtransações, no qual o modelo de venda das loot boxes prospera. Neste post, abordaremos um pouco mais os problemas jurídicos relacionados à venda dessas loot boxes.
A maior crítica em relação às lootboxes – que oferecem prêmios aleatórios, frequentemente em troca de dinheiro verdadeiro – chegou no final de 2017, e foi especialmente inflamada pelo posteriormente revisado sistema de progressão do jogo Star Wars Battlefront 2. A discussão esfriou um pouco desde então, com regulações de neutralidade de rede e condições de trabalho da indústria de jogos tomando os holofotes, mas o problema está longe de ser resolvido.
O que inicialmente era mero criticismo do consumidor rapidamente se tornou um problema jurídico. O governo belga, por exemplo, acredita que pelo menos algumas loot boxes precisam ser reguladas como uma espécie de jogo de azar. Andrew Wilson, chefe executivo da EA (Electronic Arts), discorda.
Andrew Wilson, EA.
Ao longo de 2018, muito se debateu em relação às loot boxes, e ainda há muito a ser decidido. Assim, fizemos um levantamento de como a situação das loot boxes vem sendo tratada em diferentes países.
AUSTRÁLIA:
Na Austrália, país notório por suas rígidas leis acerca de jogos digitais, uma investigação de 2018 fez com que um comitê concluísse que loot boxes são psicologicamente similares a jogos de azar, especialmente para jovens.
Assim, o comitê recomendou que jogos com loot boxes contenham etiquetas de aviso (a ESRB - Entertainment Software Rating Board* já faz isso na América do Norte com o aviso sobre compras realizadas dentro dos jogos, que passou a ser exigido em fevereiro de 2018 – apesar de terem afirmado que loot boxes não são semelhantes a jogos de azar).
Além disso, o comitê australiano também solicitou que jogos com loot boxes que podem ser compradas fossem somente vendidos para maiores de 18. Essas recomendações ainda não se tornaram legislação.
CHINA E COREIA DO SUL:
Na China e na Coreia do Sul, já é exigido que qualquer desenvolvedor de jogos vendendo loot boxes divulguem as probabilidades de se obter quaisquer dos prêmios.
Em 2017, a China aprovou uma legislação mais dura que proibiu “tickets de loteria” virtuais, fazendo com que a Blizzard removesse a opção de se comprar loot boxes em Overwatch com dinheiro naquela região.
Cabe ressaltar, entretanto, que a Blizzard conseguiu “contornar” essa legislação oferecendo loot boxes como “presentes gratuitos” quando o consumidor compra, com dinheiro verdadeiro, itens não aleatórios dentro do jogo.
HOLANDA E BÉLGICA:
As decisões mais públicas de 2018 vieram em abril, quando a Holanda e a Bélgica determinaram que algumas loot boxes violavam a legislação sobre jogos de azar.
Entretanto, nenhuma “legislação de loot boxes” foi aprovada em nenhum desses países – somente houve a determinação de que alguns jogos violavam legislações existentes.
A Electronic Arts continua disputando essa decisão, alegando que estão “abertos ao diálogo” com os legisladores europeus, mas Wilson declarou, em Maio de 2018, que continuarão a impulsionar o mercado de loot boxes.
Em setembro de 2018, promotores belgas lançaram uma investigação para determinar se a EA estava praticando atividades ilegais. Enquanto isso, a 2K Games tem encorajado consumidores belgas a contatarem autoridades locais sobre o status jurídico das loot boxes do jogo NBA na Bélgica, mantendo o posicionamento de que alguns ajustes foram feitos para que as compras realizadas em dinheiro cumprissem com a legislação.
A Blizzard Entertainment, por outro lado, optou por remover qualquer opção de compra de loot boxes com dinheiro nos jogos Overwatch e Heroes of the Storm na Bélgica, para cumprir com a legislação belga.
Loot boxes de Overwatch, fonte: Overwatch, Blizzard Entertainment
FRANÇA:
O órgão que regula jogos de azar na França (ARJEL) decidiu, em julho de 2018, que loot boxes não são jogos de azar. No relatório do órgão, foi afirmado que microtransações em videogames “estão minando os objetivos das políticas públicas para os jogos de azar”.
Além disso, pediram um esforço conjunto da Europa para desenvolver uma estratégia de combate aos desafios impostos pelo crescimento da presença de loot boxes nos jogos mais comuns. Contudo, sob uma perspectiva jurídica, a conclusão foi a de que as loot boxes não configuram uma forma de jogos de azar.
Nesse sentido, foi dispensado o argumento de que loot boxes não se qualificam como jogos de azar porque elas sempre oferecem algo a mais: é o fato de que elas dependem da criação de um sentimento de “quase perda”, similar às máquinas caça-níqueis, que encoraja os jogadores a continuarem tentando.
REINO UNIDO:
O Reino Unido tem optado pela autorregulação da indústria de jogos, com Margot James, Ministra de Estado das Indústrias Digital e Criativa, demonstrando confiar que organizações como a PEGI (Pan European Game Information ou Informação Pan-Europeia de Jogos) afirmando que os atores da indústria garantirão que “que aqueles que compram e jogam videogames estejam informados e protegidos”.
ESTADOS UNIDOS:
Os Estados Unidos não possuem uma regulação formal especificamente sobre loot boxes, e o governo não tem demonstrado muitas ações no sentido de criar essa regulação.
Entretanto, alguns estados estão tentando fazer isso: um projeto de lei apresentado no estado de Washington no começo de 2018 daria poder à Comissão de Jogos de Azar do estado para investigar o assunto; e um outro projeto introduzido em Minnesota em abril de 2018 proibiria a venda de jogos que vendessem loot boxes a menores de 18.
BRASIL:
Diferentemente dos países citados acima, os jogos de azar são fortemente regulados e proibidos. Apesar de tramitar o PLS 186/2014, projeto de lei que busca legalizar os jogos de azar no país, não se pode ignorar as dificuldades jurídicas trazidas pelas loot boxes ao Brasil.
Cabe destacar que o Brasil é o 3º maior mercado do mundo em número de jogadores de videogames, além de figurar entre o 10º e o 15º lugar em relação ao faturamento. Assim, é de suma importância que o a regulação jurídica das loot boxes seja colocada em pauta em nosso país.
Focos centrais do debate sobre as loot boxes:
Muito da discussão jurídica acerca das loot boxes gira em torno dos conceitos de transferibilidade, valor real em dinheiro e os lucros das editoras de jogos.
TRANSFERIBILIDADE:
A transferibilidade lida com a questão a respeito da possibilidade de trocar itens adquiridos via loot boxes, o que transformaria os itens em ‘objetos de transações de real valor monetário.
Em Overwatch, por exemplo, você não pode trocar as skins e os sprays (itens cosméticos que, neste jogo, não aumentam as habilidades dos jogadores) que você recebe nas loot boxes com os demais jogadores; por outro lado, em CS:GO, o jogador já pode trocar os itens cosméticos, sendo isso uma grande parte do ecossistema do jogo. Em alguns ordenamentos jurídicos, o modelo de Overwatch não seria considerado como jogo de azar, enquanto o de CS:GO seria.
Além disso, há as situações nas quais o dinheiro pode ser gasto para apostar em itens dentro dos jogos. Esse foi o caso de muitos sites de apostas de itens cosméticos em jogos de CS:GO, nos quais a Valve teve de intervir.
O consenso que parece existir é de que apostar os itens cosméticos em partidas é um tipo de jogo de azar e, apesar deste não ser o problema principal, a existência desses sites pode ser usada para a criação de um caso contra as loot boxes.
Gamdom - exemplo de site no qual ocorrem apostas com items de CS:GO, dinheiro ou Bitcoin.
VALOR REAL EM DINHEIRO:
É nessa questão que entra o valor real em dinheiro dos itens. Mesmo que um desenvolvedor não lucre com os sites de apostas de terceiros de forma direta, legislações em muitos territórios proíbem qualquer tipo de loteria na qual o dinheiro pode ser gasto para aumentar sua chance de ganhar prêmios com valor monetário no mundo real.
Oponentes de regulações das loot boxes continuam a argumentar que os itens nestas caixas não tem nenhum valor monetário real. Eles simplesmente existem como linhas de códigos de computador, certo? Bom, nessa lógica, assim é o Bitcoin.
E quando os itens cosméticos de CS:GO são conhecidos por serem vendidos por dezenas de milhares de dólares cada, será que realmente se pode afirmar que itens de jogos não tem nenhum valor monetário?
O QUE SIGNIFICA “PERDER”?
Outro argumento a favor das loot boxes, citado pela EA, entre outros, é o de que não há uma loot box vazia.
Enquanto uma máquina caça-níqueis, ou um negociante de blackjack, ou até mesmo uma loteria podem tomar seu dinheiro e não te darem nada em troca se você perder, as loot boxes sempre te dão algo em retorno pelo seu dinheiro – ainda que seja um item cosmético que você já tenha, e que não tenha valor algum para você.
Não há “perda” no sentido de sair com as mãos abanando.
Fonte: Adobe Stock.
O QUE VEM DEPOIS?
O Direito é sempre lento ao tentar se adaptar às mudanças da realidade numa era de tecnologia e de informação, e o caso das loot boxes é um bom exemplo dessa lentidão, fazendo com que as loot boxes fiquem em áreas cinzentas das leis em várias partes do mundo.
Precedentes estão sendo criados e desafiados o tempo todo, e uma comissão de 15 reguladores de jogos de azar da Europa e dos Estados Unidos já foi montada para analisar o problema devidamente. Não se sabe ao certo para qual direção o problema irá seguir, mas, se você possui uma opinião forte a respeito do assunto, talvez seja a hora de entrar em contato com seus representantes políticos sobre isso.
* A ESRB é a organização que analisa, decide e coloca as classificações etárias indicativas para jogos eletrônicos comercializados na América do Norte
FONTES:
Texto com traduções parciais de https://www.pcgamer.com/the-legal-status-of-loot-boxes-around-the-world-and-whats-next/
Complementado com informações de: