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DIREITOS AUTORAIS NA ERA DIGITAL: A DIRETIVA EUROPEIA É O MELHOR CAMINHO?



Há um mês, o Google França fez um teste com alguns de seus usuários que consistia em ocultar resultados de pesquisa em seu motor de buscas. Basicamente, ofereceu-se para o usuário espaços vazios na tela no lugar da usual chuva de informações dos endereços a serem clicados.

Há quase uma década, Lawrence Lessig participava de uma conferência mundial sobre como facilitar o acesso à cultura na era digital, promovida pela World Intellectual Property Organization (WIPO). No início de sua palestra, Lessig cita a também professora, Jessica Litman, que em 1994 já afirmava que a maioria de nós não mais consegue ficar nem mesmo uma hora sem colidir com disposições de direitos autorais.

O que esses dois eventos tão distantes têm em comum? Ambos podem ser relacionados com os artigos mais controversos da Diretiva europeia relativa aos direitos de autor no mercado único digital, os artigos 11 e 13. O artigo 11 versa sobre a proteção de publicações de imprensa no que diz respeito à usos digitais e o artigo 13 é referente ao uso de material protegido por provedores de serviços de divulgação de conteúdo online.

A diretiva foi apresentada em 2016 pela Comissão Europeia e em setembro de 2018, o Parlamento Europeu adotou as alterações à proposta. Uma das justificativas para a regulação é a necessidade de uma adaptação e uniformização legislativa vez que “a evolução das tecnologias digitais conduziu ao aparecimento de novos modelos empresariais e reforçou o papel da Internet enquanto principal mercado para a distribuição e o acesso a conteúdos protegidos por direitos de autor”.

Em linhas gerais, o artigo 11 visa a proteção de publicações de imprensa envolvendo usos digitais. De acordo com a diretiva, seria preciso criar novos direitos para os editores de publicações de imprensa obterem uma remuneração justa e proporcionada dos prestadores de serviços de sociedades de informação pela utilização digital das suas publicações. Uma das grandes preocupações perante esta proteção relacionava-se ao uso de links de notícias por usuários comuns, como donos de blogs. No entanto, a reforma aprovada alterou o artigo e deixou claro que tais direitos não impedirão o uso legítimo, privado e não comercial, de publicações de imprensa por usuários individuais.

Entretanto, uma questão permanece, quais os possíveis efeitos da medida para as empresas de comunicação? Muito se tem comentado sobre a semelhança do que impõe a diretiva e da experiência espanhola de 2014. À época, o país invocou uma legislação local a fim de obrigar plataformas, como o Google News, a remunerar a imprensa sobre cada reprodução de parte de seu conteúdo na plataforma. O resultado foi a interrupção por parte do Google desse tipo de serviço na Espanha, o que em seguida acarretou em manifestações por parte das empresas do setor de imprensa local para que houvesse a retomada do serviço no país, tendo em vista os malefícios causados pela sua interrupção. É dentro deste contexto que o Google França, no meio de janeiro, resolveu testar a aplicação das disposições da diretiva em seu motor de busca, o que resultou em pesquisas esvaziadas. O Google disse que estava tentando descobrir como os usuários poderiam reagir a esses resultados reduzidos e que consequências isso poderia ter para os editores de notícias. A experiência demonstrou uma diminuição em 45% no tráfego para os editores de notícias, o que levanta uma preocupação geral sobre as possíveis consequências da aplicação do artigo 11.

Já o artigo 13, apresenta como responsáveis por violações de direitos autorais as plataformas de compartilhamento de conteúdo online, como o YouTube. As revisões aprovadas pelo parlamento tornaram ainda mais rígidas as provisões do artigo, ressaltando que as plataformas realizam um ato de comunicação ao público desse material e, por isso, são por eles responsáveis, devendo concluir licenciamentos justos e adequados com os titulares de direitos. No entanto, a ideia de conferir um novo mecanismo de controle à criação cultural na internet vai na contramão das discussões sobre as “ecologias da criatividade”, termo cunhado por Lessig. As “ecologias da criatividade” seriam os diferentes ecossistemas para a criação, os quais se diferenciam pela intenção de criar, podendo ser unicamente pelo dinheiro, unicamente pela expressão pura da criatividade e, finalmente, pela mescla desses dois objetivos. Assim, impor um sistema único de controle de proteção autoral, inibe aquelas formas de criação que não objetivam o ganho financeiro e ignora o sistema dinâmico trazido pela internet, em que todos possuem as ferramentas para serem parte atuante na cultura – a cultura de remix. Portanto, conferir os mesmos parâmetros de proteção para diferentes ambientes criativos, com diferentes propósitos, ceifa a ideia de participação cultural ativa trazida pela internet, sufocando a criatividade. Um sistema mais vigilante, não necessariamente, promoverá maior proteção e remuneração aos autores.

Além disso, o sistema proposto torna imperativo às plataformas a análise prévia de conteúdos postados, o que pode acabar criando uma dinâmica de censura, vez que as plataformas nem sempre conseguem diferenciar uma violação da proteção de um uso devido dentro das hipóteses de exceção ao monopólio do autor. Um dos resultados esperados para essa imposição é a de que as plataformas passarão a ditar o que é ou não um uso autorizado de material protegido, elas atuarão quase como um novo legislador ou, no caso do copyright, como um juiz. Um projeto de proteção que suscita dúvidas quanto a sua aplicação e que não considera a dinâmica de participação cultural ativa trazida pela internet, não é capaz de alterar a previsão trazida por Litman anos atrás.

A Diretiva possui um papel importante, ela representa um indicativo do caminho de grande regulação e vigilância escolhido pela Europa para lidar com as tecnologias e seus gigantes de mercado. Esta posição ficou clara no discurso do presidente francês Emannuel Macron no Internet Governance Fórum em Paris. Na ocasião, Macron sublinhou fortemente a ideia da urgência de uma maior regulação das tecnologias, sobretudo da internet, como uma necessidade para preservar a democracia.

No caminho por uma maior regulação, a França, inclusive, já anunciou um projeto de lei nacional que visa a adoção de uma taxa sobre as receitas de grandes empresas de tecnologia, os GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon). O ministro da economia francês não esperou o término das discussões sobre uma medida similar a nível europeu, pois acredita que a taxação dos GAFA é um dos maiores problemas do século 21. O pioneirismo francês é um bom exemplo da grande inquietação europeia no que tange a necessidade de regulações mais rígidas no campo das tecnologias.

O exemplo europeu suscita dúvidas quanto ao futuro da regulação das tecnologias. Há mais de uma década, em seu livro “Free Culture”, Lessig já mostrava uma preocupação frente a regulações desmedidas, chegando a escrever “justo quando a tecnologia digital poderia oferecer uma extraordinária gama de criatividade comercial ou não, a lei impossibilita tal criatividade com regras insanamente complexas e vagas e com a ameaça de penalidades obscenamente severas”. Seria, então, a diretiva mais uma tentativa falha de resolver a questão da proteção do autor na era digital?

Referências:

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