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Direito Regulatório, 5G e a Internet das Coisas



Neste artigo, iremos discutir de forma introdutória a tecnologia de comunicação de dados chamada de 5G, como ela se relaciona com a revolução que é a Internet das Coisas e como o Direito Regulatório terá que lidar com essa nova tecnologia.

Histórico das tecnologias de comunicação de dados móveis

Para se entender o 5G é necessário voltarmos um pouco no tempo e analisarmos o desenvolvimento dessa tecnologia. O crescimento do uso de dados móveis têm sido explosivo, como demonstra o gráfico abaixo, e não há sinal de que essa tendência exponencial se altere, o 5G é o novo capítulo dessa novela de crescimento exponencial.


Fonte: Cisco VNI Mobile

Primeiramente o termo G é um indicador de “gerações”. As tecnologias de comunicação de dados sem fio têm sido padronizadas e organizadas através do prisma de gerações. Essa categorização é feita através de padronização de protocolos técnicos que certos organismos técnicos produzem – em particular a União Internacional de Comunicações.

A primeira geração, renomeada a posteriori como 1G, foi um modelo analógico de comunicação que foi desenvolvido no Japão nos anos 80 cuja principal inovação era oferecer serviço de voz sem fio. A próxima geração, desenvolvida no início dos anos 90 foi o 2G, sendo a primeira geração a usar tecnologia digital, que além de mais eficiente, introduziu mensagens de texto a partir do SMS, que foi produzido partir do GMS (Sistema Global de Comunicações Móveis). Outro ponto importante do 2g é que, pela primeira vez, o serviço de dados móveis incluía criptografia digital. Em 1999 o Japão foi um dos primeiros países a implementar o 3G, uma melhoria do sistema 2G para Internet. Esse sistema permitiu ligações de vídeo e TV móvel através dos sistemas UMTS. Em 2010 o 4G foi lançado comercialmente e facilitou o acesso móvel à internet, serviços de jogos e conferências por vídeo. O padrão do 4G é o Long Term Evolution (LTE) uma evolução considerável dos sistemas anteriores, como GSM e UTMS. Essa evolução permitiu uma significativa melhoria na capacidade e velocidade das navegações através de dados móveis.

É importante salientar que essas mudanças de gerações não são alterações radicais em termos de base tecnológica, mas evoluções erguidas nos ombros uma das outras. A natureza da categorização em gerações distintas é útil uma vez que essas tecnologias apresentam protocolos e performances distintas, mas compartilham outros fatores. Exemplo disso é que a implantação do 5G coexistirá e seguirá nas mesmas redes do 4G, pelo menos pela próxima década.

O que é o 5G

O 5G se apresenta como a próxima evolução destes sistemas. Suas redes utilizam ondas de rádio numa frequência mais alta, em torno de 29 a 39 GHz, enquanto os sistemas anteriores utilizavam a faixa de micro-ondas cuja frequência fica entre 700 MHz a 3 GHz. O 5G permite por volta de 10 Gbps de transferências de dados, o que é 100 vezes mais rápido que a tecnologia atual 4G, ainda apresentando baixa latência de rede, ou seja, o tempo de resposta pode ser menos de 1 milissegundo. A título de comparação, o 4G possui de 30 a 70 milissegundos de resposta. Além disso, espera-se que a nova tecnologia seja capaz de lidar com maior densidade de conexões e permitir maior eficiência de consumo de energia.

O uso em larga escala dessa nova rede atingirá, em princípio, usuários de smartphones que terão muito mais facilidade para visualizar conteúdos, serviços de streaming e fazer download de vídeos. Entretanto, o leque de aplicações do 5G vai muito além disso. O desenvolvimento da rede 5G é uma das bases da chamada Internet das Coisas, que neste texto será resumida em sua sigla em inglês IoT (Internet of Things)

5G e a Internet das Coisas

O conceito da IoT, conforme recomendação da União Internacional de Telecomunicações é definido como “Uma infraestrutura global para a sociedade da informação, que habilita serviços avançados por meio da interconexão entre coisas (físicas e virtuais), com base nas tecnologias de informação e comunicação (TIC)”¹. Se trata, portanto, de conectar dispositivos entre si, e também, processar automaticamente dados. Um exemplo do que seria a IoT, é o caso das tarefas de um trator, que não só teria a tarefa de arar a terra, mas igualmente fornecer informações sobre o estado da plantação, onde falta água e fertilização, regiões onde há pragas etc. Essas informações seriam fornecidas a um centro de dados que os processaria, repassando-os de volta aos responsáveis da fazenda para auxiliar a tomada decisões. Tudo isso em tempo real.

É bom salientar que a IoT já é uma realidade, no sentido de haver múltiplas aplicações em atividade. Mas seu desenvolvimento tem sido cerceado dado limitações de algumas tecnologias essenciais para sua aplicação, como por exemplo, o alto consumo energético necessário para manter vários dispositivos conectados. Como já exposto acima, a rede 5G é parte fundamental da infraestrutura necessária para o desenvolvimento e aplicação da IoT. Mas é bom salientar que o desenvolvimento da IoT não se resume ao 5G, mas também a diversas outras tecnologias, como melhorias nos chips de processamento, Inteligência Artificial e maiores capacidades no armazenamento de dados.

Uma das principais limitações, entretanto, são as de conexões de dados. As atuais conexões não possuem a taxa de transferência de dados e latência necessária para que essas aplicações sejam comercialmente possíveis de serem usados em larga escala. A implementação do 5G contorna tal problema, garantindo o controle e monitoramento remoto em tempo real de conexões Máquina a Máquina (M2M). Graças a essa inovação carros autônomos conectados a sistemas digitais de trânsito, realidade aumentada e cidades inteligentes podem sair do papel, laboratórios e de nossa imaginação para o dia-a-dia.

Alguns Desafios para o Direito Regulatório

O desenvolvimento e expansão do 5G e da IoT proporcionam novos desafios a comunidade jurídica. Neste texto destacamos dois desses desafios para o Direito Regulatório: a Infraestrutura do 5G e na Proteção de Dados num contexto de IoT.

Em termos de regulação, é salutar lembrar que, em muitos casos, existem trade-offs quando o assunto é regulação da tecnologia, como por exemplo, a escolha entre eficiência/rapidez em contraposição a segurança e proteção de dados. Criar uma balança entre esses fatores é extremamente delicado, tendo a balança normalmente, um peso a mais para um lado ou outro. Outro ponto importante a ser considerado quando o assunto é regulação tecnológica, é que ela sempre deve levar em consideração a tecnologia em si. Regular algo sem notar os meandros de seu funcionamento é comum, mas equivocado. Uma boa regulação deve levar em consideração os aspectos práticos da tecnologia, não só aspectos no papel.

Algo que salta aos olhos são as necessárias mudanças na regulação da infraestrutura em que o 5G opera. As gerações anteriores eram dependentes de macroestruturas e torres de distribuição. Essa estrutura existente de grandes torres pode e será reutilizada e remodelada para o 5G, mas rapidamente ela não será suficiente para conseguir lidar com o crescimento exponencial do tráfego de dados. Dado as especificidades da tecnologia, como a alta concentração do tráfico e alto espectro de onda acima de 3GHz, os operadores tenderão a focar numa estrutura de pequenas estações ou small cells. Elas correspondem a pequenos equipamentos de rádio e antenas que podem ser colocados em postes e nas paredes dos prédios. Essa tecnologia demanda menos energia e transmite dados em curto alcance.

Isso significa que haverá mudanças no mercado de infraestrutura de comunicação de dados. Paulatinamente um modelo concentrado em alguns nodos de transferência de dados macro, para um sistema altamente pulverizado de pequenos transmissores. Essa mudança requererá atualização das formas de licenciamento e nos prazos de sua concessão e vigência, e das normas de instalação e manutenção da rede que atualmente ainda refletem a estrutura antiga. A resolução da Anatel² nº 680/2017 que desobrigam a necessidade de obtenção de prévia outorga para prestação de serviços de telecomunicações para Serviço de Comunicação Multimídia e Serviço Limitado Privado que empregam exclusivamente meios confinados e equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita é definitivamente um avanço nesse sentido. Das normas administrativas da Anatel, as leis municipais que legislam sobre matérias de interesse local de aspecto urbanístico e civil, será necessária uma reformulação genuína que reflita esse novo modelo tecnológico e que busque garantir a segurança e outros princípios juridicamente protegidos assim como a eficaz implantação.

Outra área jurídica que se olha no horizonte problema é a área de proteção de dados pessoais. Em se tratando de IoT, haverá mudanças dramáticas em relação ao uso e a segurança dos dispositivos. A rede de aparelhos que forma a IoT lida com recebimento e compartilhamento de dados, muitos deles pessoais, de forma a cumprir suas tarefas. Esses novos dispositivos irão coletar e armazenar quantidades enormes de dados de seus usuários. Como garantir segurança jurídica ao uso e processamento desses dados, que não haja abusos aos indivíduos em questão e a precaução contra ciberataques será uma prioridade.

Para lidar com dados individuais já existem legislações de proteção de dados. Estas terão grande influência na extensão de desenvolvimento da IoT. Um exemplo é o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR)³ da União Europeia. O GDPR tem como um de seus princípios “Privacidade por design e padrão”, princípio que busca garantir que todos os novos desenvolvimentos de tecnologia tenham a privacidade como ponto essencial, desde seu desenvolvimento. Um instrumento desta regulação afirma que o consentimento do usuário deve ser dado antes do processamento dos dados do usuário possa acontecer. Desse modo dispositivos que usem sistemas de IoT na União Europeia devem, em tese, garantir o consentimento dos usuários antes de serem postos em uso. Dado a natureza interconectada e poderíamos dizer opaca, da tecnologia pode ser de difícil sua eficaz observância.

Essa situação também é válida para o Brasil. Temos a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD lei 13.709/2018)4, que foi bastante influenciada pelo regulamento europeu. Como dito acima, muitos dos serviços de IoT envolvem a geração, distribuição e uso dos dados de indivíduos que sejam consumidores. Esse uso deve ser feito tendo a LGPD e outras normas aplicáveis como marco. Frisa se aqui o artigo 2º da LGPD, incisos I, II e IV, que afirmam que são princípios basilares da proteção de dados o respeito à privacidade, à autodeterminação informativa e a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem.

Garantir a implementação de tais princípios e fazer que sejam de fato respeitados, conciliando com o desenvolvimento eficiente da IoT será uma tarefa difícil e dependerá de como arranjos específicos a serem feitos. Normalmente as leis de proteção de dados não são tão focadas em arranjos específicos, mas em princípios e normas que dão o enquadramento jurídico de como o problema deverá ser tratado. Assim cabe a agências reguladoras garantir a boa aplicação do enquadramento legal. Recentemente foi centralizada a responsabilidade na Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), criada para garantir a aplicação da LGPD. São as agências regulatórias que desenvolveram os padrões técnicos e jurídicos necessários necessárias para manter a tênue balança entre proteção de dados e eficiência na ampliação e massificação de seu uso.

O 5G abre um mundo de possibilidades, mas traz igualmente, desafios profundos que se não forem solucionados podem minar seus benefícios. O Direito Regulatório terá que estabelecer incentivos que garantam o desenvolvimento de uma das mais importantes fronteiras tecnológicas enquanto mantém a defesa dos usuários e de outros valores juridicamente protegidos.

Referências

1- Recomendação da União Internacional de Telecomunicações

https://www.itu.int/ITU-T/recommendations/rec.aspx?rec=y.2060

2 - Resolução da Anatel sobre desobrigação do licenciamento.

http://www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2017/936-resolucao-680

3 - Sobre o GDPR (Em Inglês)

https://gdpr-info.eu/

4 -Lei de Proteção de Dados Brasileira

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13709.htm

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