A Receita Federal abriu consulta pública em Outubro/2018 para dispor sobre a prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos. Essa consulta está alinhada com iniciativas de outros países em tentar regular (ou tornar mais transparentes) transações realizadas em moedas virtuais, tokens ou ativos comercializados através de sistemas que utilizam a tecnologia do Blockchain. Vários são os argumentos que justificam esse tipo de atuação:
Aumento significativo do mercado de criptoativos nos últimos anos;
A Receita sempre reiterou a incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital auferido em transações desses ativos e a necessidade de declaração;
A crescente utilização desses criptoativos em operações de sonegação, corrupção e lavagem de dinheiro;
A implementação de práticas semelhantes em países como Austrália, Coreia do Sul e Japão
Hoje em dia, a única forma da Receita obter informações sobre criptoativos é através da declaração voluntária do Imposto de Renda. Segundo o item 447 do Manual de PERGUNTAS E RESPOSTAS do IRPF de 2018, as "as moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição. (...) essas operações deverão estar comprovadas com documentação hábil e idônea para fins de tributação."
Além disso, segundo o item 607 do Manual, somente "os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais (bitcoins, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro". As hipóteses de alíquota progressiva, por sua vez, são das pelo item 545:
"A partir de 1o de janeiro de 2017, as operações de alienação de bens e direitos de qualquer natureza passíveis de apuração de ganho de capital sujeitam-se às seguintes alíquotas:
I – 15% sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00;
II – 17,5% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 e não ultrapassar R$ 10.000.000,00;
III – 20% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 e não ultrapassar R$ 30.000.000,00; e
IV – 22,5% sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00."
A nova consulta pública visa propor uma Instrução Normativa contendo novas obrigações tributárias acessórias para as "exchanges" ou "casas de câmbio" que realizam essas transações. Pelo texto da proposta normativa, considera-se:
Art. 4o -
I - criptoativo: a representação de valor digital, não emitida pelo Banco Central do Brasil, distinta de moeda soberana local ou estrangeira, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira;
II - exchange de criptoativo: a instituição, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.
§ 1o Integram o conceito de criptoativo os ativos comumente conhecidos como “moeda virtual”.
O teor principal da Instrução Normativa é definir como e quando as informações de transações de criptoativos devem ser repassadas à Receita pelas exchanges. A proposta inicial é que somente seja necessário informar dados das transações que ultrapassem o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
Art. 5o Está obrigada à entrega das informações: I - a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil; II - a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando: a) as operações forem realizadas em exchanges domiciliadas no exterior; ou b) as operações não forem realizadas em exchange.
Parágrafo único. Na hipótese prevista no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Para efeitos da norma, são consideradas operações que geram a obrigação acessória:
I - compra e venda;
II - permuta; III - doação; IV - transferência de criptoativo para a exchange; V - retirada de criptoativo da exchange; VI - cessão temporária (aluguel); VII - dação em pagamento; e VIII - outras operações.
Quanto aos dados que devem ser informados, a exchange está obrigada a fornecer uma série de dados dos usuários de suas plataformas e investidores:
Art. 7o Deverão ser informados para cada operação:
I - nos casos previstos no inciso I e na alínea “b” do inciso II do caput do art. 5o:
a) a data da operação; b) o tipo de operação, conforme Anexo Único; c) os titulares da operação; d) os criptoativos usados na operação; e) a quantidade de criptoativos negociados, em unidades; f) o valor da operação, em reais, excluídas as taxas de serviço cobradas para a execução da operação; g) o valor das taxas de serviços cobradas para a execução da operação, em reais, quando houver;
II - no caso previsto na alínea “a” do inciso II do art. 5o: a) a identificação da exchange; b) a data da operação; c) o tipo de operação, conforme Anexo Único; d) os criptoativos usados na operação; e) a quantidade de criptoativos negociados, em unidades; f) o valor da operação, em reais, excluídas as taxas de serviço cobradas para a execução da operação; g) o valor das taxas de serviços cobradas para a execução da operação, em reais, quando houver.
As penalidades pela não observância dos deveres acima geram multas que variam de acordo com o montante transacionado e o tipo de pessoa envolvida. Além disso, será possível repassar informação ao Ministério Público em caso de suspeita de operação ilegal ou na hipótese de não prestação das informações ou de sua prestação com incorreções ou omissões.
Art. 9o A pessoa que deixar de prestar as informações a que estiver obrigada, nos termos do art. 5o, ou que prestá-las fora dos prazos fixados no art. 6o, ou que omitir informações ou prestar informações inexatas, incompletas ou incorretas, ficará sujeita às seguintes multas, conforme o caso:
I - pela prestação extemporânea: a) R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês ou fração de mês, se o declarante for pessoa jurídica em início de atividade, imune ou isenta, optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), instituído pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, ou que na última declaração apresentada tenha apurado o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no lucro presumido; b) R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) por mês ou fração de mês, se o declarante for pessoa jurídica não incluída na alínea “a”; e c) R$ 100,00 (cem reais) por mês ou fração, se pessoa física; e
II - pela omissão de informações, pela prestação de informações inexatas, incompletas ou incorretas ou por não prestar as informações a que estiver obrigado: a) 3% (três por cento) do valor da operação a que se refere a informação omitida, inexata, incorreta ou incompleta, não inferior a R$ 100,00 (cem reais), se o declarante for pessoa jurídica; ou b) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) do valor da operação a que se refere a informação omitida, inexata, incorreta ou incompleta, se o declarante for pessoa física.
(...)
Art.10. Sem prejuízo da aplicação da multa prevista no inciso II do caput do art. 9o, poderá ser formalizada comunicação ao Ministério Público Federal, quando houver indícios da ocorrência dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, na hipótese de não prestação das informações ou de sua prestação com incorreções ou omissões.
Em reportagem do Valor Econômico, o auditor-fiscal e subsecretário de fiscalização da Receita Federal, Iágaro Jung Martins, afirmou que a intenção é "implementar um sistema semelhante ao do Japão, pelo qual as corretoras controlam e repassam as informações ao Fisco". A reportagem também traz o ponto de vista de algumas associações e escritórios especializados em matéria tributária sobre o tema. As grandes preocupações são a) o risco de burocratização do processo e consequente desincentivo a esse mercado, além da b) ausência de um prazo para adaptação às novas regras (a proposta de Instrução Normativa não contém qualquer menção a período de adaptação).
A preocupação em regular ou fiscalizar o mercado de criptoativos não está restrita à Receita Federal. A CVM já havia se adiantado aos riscos do aumento de transações envolvendo a utilização de tokens para capitalização, as chamadas ICOs (Initial Coin Offering) e publicou uma Nota em Outubro de 2017 sobre os problemas envolvidos nesse mercado e os caminhos que devem ser seguidos por investidores e pessoas jurídicas que decidam por esse processo.