Grupo de Estudos em Direito e Tecnologia da Universidade Federal de Minas Gerais- DTEC-UFMG
Data: 04/05/2021
Por: Fernando Ameno, Matheus Gomes Martins Coelho e Mayra Aparecida Ferreira Sayd
Carlos Augusto Liguori Filho, em seu texto “Crypto wars e bloqueio de aplicativos”, explica um pouco o contexto em que se deu as Crypto wars nos EUA na década de 90, trazendo prós e contras em relação à aplicação da criptografia no dia a dia, bem como na sua popularização como meio do “cidadão comum” proteger seus dados pessoais da ânsia de vigiar do Estado. Grandes empresas hoje em dia, tratam a criptografia como uma opção padrão de seus serviços, levando a criptografia para todos os tipos de usuários, inclusive aos que não possuem qualquer tipo de conhecimento técnico.
Na versão brasileira, o autor considerou como “crypto wars” a questão vinda à tona com os diversos bloqueios que ocorreram no whatsapp nos anos de 2015 e 2016. A discussão que foi gerada, se deu por conta da impossibilidade técnica do whatsapp conseguir quebrar o sigilo das comunicações dos usuários, sendo que, por conta da sua criptografia de ponta-a-ponta, apenas remente e destinatário (s) tinham acesso à tais mensagens, pois nenhum tipo de conteúdo era guardado em seus servidores.
Algumas dúvidas despontam como a possibilidade técnica de haver uma “chave dourada”, que serviria como um “backdoor” nos serviços de criptografia, e que seria disponibilizada apenas através de ordem judiciais específicas para a quebra de sigilo. Porém, ao passo que tais chaves estariam guardadas, correriam o risco de serem descobertas, vazadas e de serem usadas criminosamente.
Sobre o tema, importantíssimas discussões têm ocorrido no Brasil. Inicialmente, destaca-se o julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.527 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403 no Supremo Tribunal Federal. Na ADI 5.527, de relatoria da ministra Rosa Weber, o Partido da República (PR) questiona a constitucionalidade de dispositivos do Marco Civil da Internet (artigos 10, parágrafo 2º, e 12, incisos III e IV) usados para fundamentar decisões judiciais que determinam a suspensão dos serviços de troca de mensagens entre usuários da internet. Já a ADPF 403, de relatoria do ministro Edson Fachin, foi ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS) em oposição a decisão judicial que determinou o bloqueio nacional do WhatsApp, haja vista a recusa da plataforma em fornecer o conteúdo de mensagens trocadas entre usuários, no contexto de uma investigação criminal.
Em suma, para o ministro Fachin, a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações, é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet, sendo este considerado um direito fundamental. Deste modo, declara que é preciso interpretar os dispositivos legais à luz das mudanças tecnológicas, a fim de salvaguardar que os direitos que as pessoas têm offline, também estejam protegidos online. Além disso, entende que a suspensão total dos serviços do aplicativo violaria o preceito fundamental da liberdade de comunicação.
Na mesma toada, a ministra Rosa Weber entende que aplicativos de mensagens não podem ser obrigados a fornecer dados criptografados, já que a Constituição Federal assegura a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, exceto por ordem judicial, nas investigações criminais e persecuções penais. Por isso, considera que o conteúdo das comunicações particulares somente poderá ser apresentado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, e tão somente para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Outro caso interessante é o Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 99.735/2018. Este, por sua vez, trata-se de uma investigação criminal para obtenção de elementos probatórios acerca da prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
Em linhas gerais, no caso em comento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou inválida a prova obtida pelo espelhamento de conversas via Whatsapp Web realizada pela autoridade policial. Isso porque, tanto no celular quanto no computador, esta ferramenta permite o envio de novas mensagens e a exclusão delas, antigas ou recentes, enviadas pelo usuário ou recebidas de algum contato, com total liberdade. E, além disso, eventual exclusão de mensagem enviada (“apagar para mim”) ou de mensagem recebida (em qualquer caso), não deixaria vestígio, tendo em vista que a própria empresa que disponibiliza o serviço (Whatsapp), graças à tecnologia de criptografia de ponta a ponta, não armazena o conteúdo das conversas em nenhum servidor.
Assim, o que se pode observar é que esta temática está cada vez mais presente no judiciário brasileiro. Em que pese os contrapontos existentes, a criptografia é, indiscutivelmente, uma ferramenta indissociável da proteção à privacidade, e deixar de usá-la representaria um grande risco ao sigilo das comunicações e das informações.
BIBLIOGRAFIA BASE:
PFEFFERKORN, Riana. The Risks of Responsible Encription
LIGUORI FILHO, Carlos Augusto. Crypto Wars.
STF. ADPF 403/2016 Voto Edson Fachin. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF403voto.pdf
STF. ADI 5.527/2020 Voto Rosa Weber. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI5527voto.pdf
RHC nº 99.735/2018 Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/860374869/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-99735-sc-2018-0153349-8/inteiro-teor-860374879?ref=serp
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
PORTAL STF. Relatores consideram inconstitucional quebra do sigilo de comunicação em aplicativos de mensagens. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=444384&ori=1>
PORTAL STF. Relatora entende que aplicativos de mensagens não podem ser obrigados a fornecer dados criptografados. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=444265>
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