Giovanni Carlo Batista Ferrari
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), lei federal n° 13.709 de 2018, determina que a finalidade do tratamento de dados deve ter um propósito legítimo, específico e transparente ao titular dos dados.
O art. 7º da LGPD enumera as bases legais de tratamento de dados pessoais. Necessariamente, o dado de qualquer titular de dados deve estar inserido em uma base legal, sob pena de ocorrer um tratamento ilícito, sujeitando a organização ou o particular que trata esses dados a sofrer sanções pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Autoridade Supervisora do Brasil.
O enquadramento incorreto da base legal pelo Encarregado de Proteção de Dados pessoais pode levar a punições pela Autoridade Supervisora. Tais sanções são severas, exigindo, portanto, máxima acurácia na adequada classificação dos dados pessoais, distinguindo sua finalidade e em que base legal ele se encaixa.
A União Europeia, em 2016, aprovou o Regulamento 679 (GDPR), que normatiza a proteção de dados pessoais para seus membros e para outros Estados do Espaço Econômico Europeu. O GDPR também exige que o tratamento de dados pessoais se dê de acordo com bases legais previstas na norma, sob pena sanções ou coimas pela Autoridade Supervisora de cada Estado membro.
A Hellenic Data Protection Authority (HDPA), Autoridade Supervisora da Grécia, na decisão nº 26/2019, puniu uma organização por enquadramento incorreto da base de dados pessoais dos titulares. No caso em questão, a Companhia punida havia tratado os dados pessoais de seus empregados com base no consentimento, sendo que o correto seria trata-los com base na execução de um contrato. Argumenta a HDPA, que a ligação em uma base legal incorreta pode gerar falsas expectativas sobre o tratamento de dados, dificultando a transparência e a prestação de contas por parte do Controlador. A Companhia foi punida em 150.000,00 Euros.
O servidor público estatutário, ao tomar posse, assina o respectivo Termo de Posse, descrito no art. 13 da lei 8.112 de 1990. Tal Termo de Posse, que descreve as responsabilidades, atribuições, deveres e direitos do servidor, pode, eventualmente, gerar dúvidas sobre qual é a natureza da relação jurídica existente entre este agente público e o Estado, se este vínculo seria contratual ou legal. Esta dúvida é pertinente para o correto enquadramento da base legal de tratamento de dados pessoais de um titular no âmbito da LGPD, realizado pela Administração Pública.
A doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que o termo de posse é imposto ao Servidor, não podendo ser modificado contratualmente.
Nesse mesmo sentido, a lição de José dos Santos Carvalho Filho é a seguinte: “A outra característica concerne à natureza da relação jurídica estatutária. Essa relação não tem natureza contratual, ou seja, inexiste contrato entre o Poder Público e o servidor estatutário. Tratando-se de relação própria do direito público, não pode ser enquadrada no sistema dos negócios jurídicos bilaterais de direito privado. Nesse tipo de relação jurídica não contratual, a conjugação de vontades que conduz à execução da função pública leva em conta outros fatores tipicamente de direito público, como o provimento do cargo, a nomeação, a posse e outros do gênero.
A conclusão, pois, é a de que o regime estatutário, como tem em vista regular a relação jurídica estatutária, não pode incluir normas que denunciem a existência de negócio contratual.”
Nesse diapasão, Alexandre Mazza também sustenta que o servidor estatutário não tem vínculo contratual com a Administração Pública: “Os servidores estatutários são selecionados por concurso público para ocupar cargos públicos, tendo vinculação de natureza estatutária não contratual, e adquirem estabilidade após se sujeitarem a um estágio probatório.”
O jurista Rafael Carvalho Rezende Oliveira, também compartilha do entendimento dos renomados autores acima citados, ao afirmar que: “O servidor estatutário, ao ser nomeado e empossado no cargo, submete-se às normas legais que disciplinam a sua relação funcional. Não há contrato de trabalho, mas sim termo de posse. A ausência de vínculo contratual, segundo o STJ, demonstra a inexistência do direito à inalterabilidade da situação funcional, por predominar o interesse público na relação estatutária.”
O Superior Tribunal de Justiça, já se manifestou sobre o tema em uma decisão, conforme ementa a seguir:
SERVIDOR PÚBLICO ATIVO. SITUAÇÃO FUNCIONAL. INALTERABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO. A Turma negou provimento ao recurso, entendendo que os servidores públicos em atividade não têm direito de serem mantidos no último posicionamento funcional na hipótese em que a Administração procede à reestruturação orgânica de seus quadros funcionais. Ressalte-se que o regime jurídico estatutário, que disciplina o vínculo entre o servidor público e a Administração, não tem natureza contratual, inexistindo, por conseqüência, direito à inalterabilidade da situação funcional, por predominar o interesse público. RMS 9.341-CE, Rel. Min. Vicente Leal, julgado em 28/11/2000.
Diante de todo o exposto, fica claro que o servidor público estatutário possui um vínculo jurídico com o Estado oriundo de obrigação legal, e não de cumprimento de um contrato. Portanto, para fins de enquadramento de um servidor público em alguma base legal prevista na LGPD, o responsável deve classificá-la como cumprimento de uma obrigação legal ou regulatória, prevista no art. 7º, II.
Giovanni Carlo Batista Ferrari é advogado e graduado pela UFMG e pós graduado em direito digital pelo CERS.
Referências Bibliográficas
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo: Gen, 2018. p. 744.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Gen. 2018. p.716.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 6ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 817.
REZENDE OLIVEIRA, Rafael Carvalho. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p 735.
STJ, 6.ª Turma, RMS 9.341/CE, Rel. Min. Vicente Leal, DJ 18.12.2000 p. 238, Informativo de Jurisprudência do STJ n. 80.
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