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Ata DTEC: Direito e Robótica Primeiras Abordagens


Grupo de Estudos em Direito e Tecnologia da Universidade Federal de Minas Gerais- DTEC-UFMG

Data da Reunião: 08/09/2020

Relatores: Lorena Prates e Rafael Magalhães


How should the law think about robots?

RICHARDS, Neil M.; SMART, William D.

Estamos vivenciando uma era de grandes transformações e a robótica é uma delas, se tornando mais acessível à massa de consumidores. A acessibilidade de tal tecnologia levanta pontos que devem ser observados e respondidos pelo Direito. Richards e Smart, em seu artigo “How should the law think about robots” procuram trazer quatro pontos cruciais para o debate, apresentados neste resumo.

1. O que é um robô?

Para a maioria de nós, as definições de robô geralmente envolvem uma bagagem de conhecimento adquirido em filmes e com características antropomórficas. No entanto, os autores buscam definir os robôs como “a constructed system that displays both physical and mental agency, but is not alive in the biological sense”, ou seja, são máquinas manufaturadas que exercem atividades frutos de decisões racionais, se movendo pelo mundo e gerando impacto nele sem depender, pelo menos aparentemente, de um operador humano

2. O que robôs podem fazer?

Os autores dão exemplos de robôs que se enquadram na definição por eles conferidas, como é o caso do aspirador de pó iRobot Roomba ou das aplicações militares de mísseis, drones, desarmadores de bombas e exploradores de planetas como Marte. Esses robôs têm alguns traços em comum: as tarefas que exercem são bem delimitadas, por vezes coordenadas por humanos, mas essas máquinas não interagem com seres humanos e, quando o fazem, não são capazes de diferenciá-los de objetos inanimados.


Os potenciais de tarefas que podem ser executadas por robôs, no entanto, apresentam uma lista muito mais extensa de possibilidades. Os robôs que poderão explorar essas novidades poderão, diferentemente de seus predecessores, exercer tarefas mais complexas e mais de uma atividade por vez; interagir com seres humanos ainda que eles não sejam conhecedores do assunto visando agradá-los de forma segura; serem mais autônomos no mundo real, para além dos laboratórios.


À medida em que o nível de complexidade da atuação de robôs se intensifica, os desafios regulatórios aumentam. Sendo assim, o Direito terá que ser capaz de fazer boas metáforas e analogias se quiser proteger direitos e regular deveres. No mundo real, com seres humanos aos quais faltam habilidades técnicas, operadores que têm menor controle sensorial sobre as atividades executadas surgem perguntas a respeito da responsabilidade sobre eventuais acidentes. O direito deve, nesse cenário, encontrar um equilíbrio entre regular de forma que a legislação seja compreensível ao mesmo tempo em que não restrinja excessivamente o uso de tais sistemas.

3. Direito Cibernético e Direito Robótico

Por mais que existam legisladores e doutrinadores discutindo o tema de robótica no Direito, o conteúdo legislativo a esse respeito ainda é muito raso para alcançar todo o potencial dessas máquinas. Enquanto sociedade, segundo os autores, ainda nos falta consciência sobre a revolução potencial pela robótica, além de uma noção concreta sobre como o direito deverá regular e compreender os robôs.


Nesse sentido, os autores não sugerem que essa seja uma perspectiva nova e independente, mas que, ao contrário, se apoie em regulações que, anteriormente, tiveram que lidar com movimentos revolucionários em termos tecnológicos, como é o caso do direito cibernético. O maior aprendizado que esse fenômeno deixou é a importância, quando se trata de novas tecnologias, das metáforas certas.


Os autores apresentam os casos Olmstead e Katz, acerca de escutas telefônicas, para exemplificar a importância de metáforas certas em relação a novidades tecnológicas. Os casos mostram como entendimentos diferentes sobre a aplicação de tecnologias emergentes podem ter consequências legais relevantes. Além disso, os casos apontam eventuais efeitos nocivos de não compreender bem novas tecnologias, seja em relação a seu funcionamento ou sobre quais valores elas ameaçam.

4. A importância das metáforas

As metáforas que se relacionam com novas tecnologias passam por diversos milestones. Por exemplo, o design pensado pelo desenvolvedor da solução, que a enquadra de uma ou de outra forma, impactará a solução por ele criada e as competências da nova tecnologia. Uma vez no mundo externo, os usuários e legisladores irão criar novas molduras dentro das quais as tecnologias serão alocadas em uma rede de analogias e metáforas criadas para compreendê-las. Legisladores, por exemplo, compreenderão as novas tecnologias em termos de propriedade, privacidade, responsabilidade e afins, enquanto os consumidores irão se relacionar mais ou menos com elas, confiar nelas e aceitá-las a depender de quais metáforas são trazidas para este contexto.


Os autores apontam como as metáforas criadas são capazes de limitar o pensamento quando se baseiam em normas sociais ou limitações técnicas ultrapassadas. Por isso, buscam trazer as metáforas como algo de suma importância para os legisladores enquanto uma ferramenta que poderá demonstrar como as pessoas entendem e reagem à robótica em suas vidas privadas e públicas, bem como destravar o potencial de design robótico para evitar resultados indesejados quando são explorados os potenciais de novas tecnologias.

4.1. A Falácia do Android

Segundo os autores, enquanto sociedade nós temos o hábito de trazer características antropomórficas aos robôs, os qualificando com atributos humanos, muito embora eles não passem de ferramentas. É importante não confundir a autonomia que os robôs têm para tomar decisões racionais dentro do limite estipulado por seus programadores ou operadores com livre arbítrio ou autonomia da vontade. Por essa razão, os legisladores devem se ocupar menos com a forma e mais com a função desempenhada por robôs.

Fica mais difícil descrever as metáforas certas quando há uma mistura entre autonomia e interferência humana sobre a atividade de robôs. Fica difícil para o examinador identificar atos que tenham sido gerados a partir de uma decisão do operador ou da máquina, tornando ainda mais árduo o trabalho de identificar uma boa metáfora para cada caso, afetando decisões sobre privacidade, responsabilidade e temas correlatos.

Robots in American Law

CALO, Ryan.

Através de uma exaustiva análise de mais de 200 casos reais, que ocorreram num período de 50 anos nos Estados Unidos, foram abordadas situações que demonstram as limitações legais acerca do assunto robô. Os primeiros casos jurisprudenciais ora estudados analisam os robôs como objetos na lei, enquanto o segundo grupo de casos se concentra na análise dos robôs como sujeitos da imaginação jurídica. Em conjunto, ficará ressaltada a visão da justiça americana sobre o tema, que é quase sempre ultrapassada.

1. Robôs como Objetos Legais

1.1 Apropriação por Robô


Trata-se do estudo de caso White X Samsung, de 1990, em que Vanna White processou a gigante Samsung sob a alegação de que um robô utilizado em uma propaganda impressa fazia referência visual à personagem que representava num programa de TV, infringindo, portanto, o seu direito de imagem e publicidade. Apesar de ter perdido a ação em sede de primeira instância, acabou ganhando em segunda, uma vez que, mesmo não utilizando fatores descritos na lei californiana como necessários à configuração de uso indevido de imagem, a corte identificou a associação direta do robô utilizado na propaganda com a autora da ação, o que levaria a Samsung a se beneficiar de tal fato.

1.2 Performance Robótica

Uma corte especial de apelação nos EUA teve que decidir se marionetes, do tamanho natural dos personagens, que cantavam e dançavam em uma rede de restaurantes, se enquadravam na lei no que dizia respeito à tributação sobre performances e apresentações. Esse foi o caso Comptroller of the Treasury X Family Entertainment Centers, em que a corte americana fez uma interpretação literal do que seria performance, excluindo, assim, a situação mencionada do enquadramento fiscal pleiteado, uma vez que o talento e habilidade, além das imperfeições na apresentação, são inerentes ao ser humano.

1.3 Objetos Animados

No julgamento do caso Louis Marx & Co. X USA, foi colocado em discussão se um brinquedo que imitava um determinado robô, que andava e executava certas ações físicas, poderia ser tributado como boneco ou como demais brinquedos, já que a tributação para bonecos era substancialmente maior. A corte americana se baseou na definição literal do que seria um boneco, ressaltando a necessidade de representação da vida animada, o que não foi o caso, já que o brinquedo imitava um outro robô.

1.4 Possessão Robótica

Foi colocada em discussão, num processo judicial, a utilização de robôs controlados remotamente como possibilidade de garantia de posse sobre eventuais tesouros encontrados em um navio que havia naufragado no oceano atlântico. A corte americana entendeu que, apesar do costume ser o envio de mergulhadores ao local, nesse caso os robôs serviram como a “extensão” humana almejada, garantindo o controle e posse sobre o tesouro, em detrimento dos demais exploradores.

1.5 O Assalto Robótico

No julgamento do caso People X Davis, em 1998, a corte americana discutiu se a utilização de um instrumento (cheque fraudulento) através das instalações físicas de um banco ensejariam na tipificação da conduta como um novo crime, além do furto que já havia sido tipificado pela primeira instância. Foi colocada a discussão jurídica acerca do instrumento utilizado como autor da conduta criminosa, sendo certo que isso ainda será alvo de muito debate, quando os robôs começarem a fazer ainda mais parte das nossas vidas.

1.6 O Robô Não Confiável

A justiça americana entendeu que, no caso Brose X USA, em que um avião militar americano se chocou contra um avião privado, durante operação robótica (estava sob o comando de piloto automático), o governo americano deveria indenizar o proprietário da aeronave privada, já que caberia o controle e supervisão ativa do piloto para evitar tal acidente, não sendo plausível a imputação de responsabilidade à máquina ou mera isenção de responsabilidade. Essa argumentação trouxe à tona uma profunda análise acerca da responsabilidade nos danos causados por robôs.

2. Robôs como Sujeitos Legais

Nesse contexto, não há a análise de qualquer robô propriamente dito, mas sim de comparações subjetivas acerca da conduta e ação humana com ações robóticas. O ser humano, de certa forma, é uma máquina e, muitas das vezes, se comporta como um robô: seja ao julgar um caso de forma quase que automatizada, seja através de um depoimento sem emoção ou, até mesmo, mediante uma conduta (punível pelo Estado).


3. Conclusão

O avanço das tecnologias disponíveis, em especial àquelas diretamente ligadas à inteligência artificial, faz com que o tema “robô” obtenha atenção especial, principalmente por ter um futuro muito promissor e juridicamente difícil, já que, conforme vimos ao estudar os casos jurídicos em questão, a dificuldade em delimitar conceitos e responsabilidades no uso dessa tecnologia é imensa. Ainda enfrentaremos muitas situações importantes e históricas antes de regulamentarmos de maneira justa e eficaz a utilização dos robôs na sociedade contemporânea. Somente com muita observação e aprendizado através da jurisprudência, é que poderemos criar leis que tratem os robôs e suas ações com a sabedoria necessária, sempre levando em consideração a rápida evolução social e , principalmente, a evolução tecnológica.

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